A mensagem que escolhemos para nos ajudar em falar de amor é uma crônica escrita pelo campeão do concurso de frases 2012, Rubem Alves.
Eu queria falar da competição que existe em algumas formas de relacionamento amoroso, e lembrei que há muitos anos eu tive um relacionamento com uma colega de profissão. Era uma história de amor muito bonita no início, mas com o passar dos anos a expectativa amorosa, foi sendo minada e tudo começou pela questão de vaidade. Apesar de sermos, na época, grandes amigos, vivermos histórias comuns no âmbito profissional, tínhamos especialidades diferentes. Ela começava na profissão e eu já estava encerrando minhas atividades. Com muito esforço, ela montou seu consultório e chamou-me para dividir o espaço clínico. Sempre que eu fazia qualquer comentário com clientes e amigos sobre o desempenho profissional dela eu procurava valorizá-la e elogiá-la. Fazia isto de maneira espontânea. Porém, comecei a observar que a recíproca não era verdadeira. Quando falavam com ela de forma positiva do meu desempenho profissional (ou de outros colegas dentistas), esta se calava. Não partilhava da ideia de valorizar o exercício profissional de outra pessoa, fosse quem fosse. Eu achava estranha aquela abordagem, pois sempre procurei demonstrar amizade, carinho, admiração e respeito pela profissional que era, independente de termos um relacionamento. Foi difícil a convivência, mesmo assim eu cedia e pra não discutir, me calava. Porém, eu notava que vivíamos um relacionamento competitivo... Aos poucos, esta relação foi minguando e findou-se.
Eu queria falar da competição que existe em algumas formas de relacionamento amoroso, e lembrei que há muitos anos eu tive um relacionamento com uma colega de profissão. Era uma história de amor muito bonita no início, mas com o passar dos anos a expectativa amorosa, foi sendo minada e tudo começou pela questão de vaidade. Apesar de sermos, na época, grandes amigos, vivermos histórias comuns no âmbito profissional, tínhamos especialidades diferentes. Ela começava na profissão e eu já estava encerrando minhas atividades. Com muito esforço, ela montou seu consultório e chamou-me para dividir o espaço clínico. Sempre que eu fazia qualquer comentário com clientes e amigos sobre o desempenho profissional dela eu procurava valorizá-la e elogiá-la. Fazia isto de maneira espontânea. Porém, comecei a observar que a recíproca não era verdadeira. Quando falavam com ela de forma positiva do meu desempenho profissional (ou de outros colegas dentistas), esta se calava. Não partilhava da ideia de valorizar o exercício profissional de outra pessoa, fosse quem fosse. Eu achava estranha aquela abordagem, pois sempre procurei demonstrar amizade, carinho, admiração e respeito pela profissional que era, independente de termos um relacionamento. Foi difícil a convivência, mesmo assim eu cedia e pra não discutir, me calava. Porém, eu notava que vivíamos um relacionamento competitivo... Aos poucos, esta relação foi minguando e findou-se.
Lendo a crônica Tênis x Frescobol, do grande mestre Rubem Alves, observei que esta relação que eu vivi poderia ser rotulada, perfeitamente, como uma relação tipo tênis.
A competitividade comum, minou aquele carinho, levando-o ao término. A sensualidade do frescobol é descrita com tanta intensidade que nos mostra como devemos nos comportar para a relação dar certo... Grande Rubem Alves!
A competitividade comum, minou aquele carinho, levando-o ao término. A sensualidade do frescobol é descrita com tanta intensidade que nos mostra como devemos nos comportar para a relação dar certo... Grande Rubem Alves!
Depois de muito meditar sobre
o assunto concluí que os casamentos são de dois tipos: há os casamentos do
tipo tênis e há os casamentos do tipo frescobol. Os casamentos
do tipo tênis são uma fonte de raiva e ressentimentos e terminam sempre mal. Os
casamentos do tipo frescobol são uma fonte de alegria e têm a chance de ter
vida longa.
Explico-me.
Para começar, uma afirmação de Nietzsche, com a qual concordo inteiramente.
Dizia ele: ‘Ao pensar sobre a possibilidade do casamento cada um deveria se
fazer a seguinte pergunta: ‘Você crê que seria capaz de conversar com prazer
com esta pessoa até a sua velhice?\’ Tudo o mais no casamento é transitório,
mas as relações que desafiam o tempo são aquelas construídas sobre a arte de
conversar.’
Xerazade
sabia disso. Sabia que os casamentos baseados nos prazeres da cama são sempre
decapitados pela manhã, terminam em separação, pois os prazeres do sexo se
esgotam rapidamente, terminam na morte, como no filme O império dos sentidos.
Por isso, quando o sexo já estava morto na cama, e o amor não mais se podia
dizer através dele, ela o ressuscitava pela magia da palavra: começava uma
longa conversa, conversa sem fim, que deveria durar mil e uma noites. O sultão
se calava e escutava as suas palavras como se fossem música. A música dos sons
ou da palavra – é a sexualidade sob a forma da eternidade: é o amor que
ressuscita sempre, depois de morrer.
Há os
carinhos que se fazem com o corpo e há os carinhos que se fazem com as
palavras. E contrariamente ao que pensam os amantes inexperientes, fazer
carinho com as palavras não é ficar repetindo o tempo todo: ‘Eu te amo, eu te
amo…’ Barthes advertia: ‘Passada a primeira confissão, ‘eu te amo\’ não quer
dizer mais nada.’ É na conversa que o nosso verdadeiro corpo se mostra, não em
sua nudez anatômica, mas em sua nudez poética. Recordo a sabedoria de Adélia
Prado: ‘Erótica é a alma.’
O
tênis é um jogo feroz. O seu objetivo é derrotar o adversário.
E a sua derrota se revela no seu erro: o outro foi incapaz de devolver a bola.
Joga-se tênis para fazer o outro errar. O bom jogador é aquele que tem a exata
noção do ponto fraco do seu adversário, e é justamente para aí que ele vai
dirigir a sua cortada – palavra muito sugestiva, que indica o seu objetivo
sádico, que é o de cortar, interromper, derrotar.
O
prazer do tênis se encontra, portanto, justamente no momento em que o jogo não
pode mais continuar porque o adversário foi colocado fora de jogo. Termina
sempre com a alegria de um e a tristeza de outro.
O
frescobol se
parece muito com o tênis: dois jogadores, duas raquetes e uma bola. Só que,
para o jogo ser bom, é preciso que nenhum dos dois perca. Se a bola veio meio
torta, a gente sabe que não foi de propósito e faz o maior esforço do mundo
para devolvê-la gostosa, no lugar certo, para que o outro possa pegá-la. Não
existe adversário porque não há ninguém a ser derrotado. Aqui ou os dois ganham
ou ninguém ganha. E ninguém fica feliz quando o outro erra – pois o que se
deseja é que ninguém erre.
O
erro de um, no frescobol, é como ejaculação precoce: um acidente lamentável que
não deveria ter acontecido, pois o gostoso mesmo é aquele ir e vir, ir e vir,
ir e vir… E o que errou pede desculpas; e o que provocou o erro se sente
culpado. Mas não tem importância: começa-se de novo este delicioso jogo em que
ninguém marca pontos…
A
bola: são as nossas fantasias, irrealidades, sonhos sob a forma de
palavras. Conversar é ficar batendo sonho pra lá, sonho pra cá…
Mas
há casais que jogam com os sonhos como se jogassem tênis. Ficam à espera do
momento certo para a cortada. Camus anotava no seu diário, pequenos fragmentos
para os livros que pretendia escrever. Um deles, que se encontra nos Primeiros
cadernos, é sobre este jogo de tênis:
‘Cena:
o marido, a mulher, a galeria. O primeiro tem valor e gosta de brilhar. A
segunda guarda silêncio, mas, com pequenas frases secas, destrói todos os
propósitos do caro esposo. Desta forma marca constantemente a sua
superioridade. O outro domina-se, mas sofre uma humilhação e é assim que nasce
o ódio. Exemplo: com um sorriso: ‘Não se faça mais estúpido do que é, meu
amigo\’. A galeria torce e sorri pouco à vontade. Ele cora, aproxima-se dela,
beija-lhe a mão suspirando: ‘Tens razão, minha querida\’. A situação está salva
e o ódio vai aumentando.
Tênis é assim: recebe-se o sonho do outro para
destruí-lo, arrebentá-lo, como bolha de sabão… O que se busca é ter razão e o
que se ganha é o distanciamento. Aqui, quem ganha sempre perde.
Já no frescobol é diferente: o sonho do outro é um
brinquedo que deve ser preservado, pois se sabe que, se é sonho, é coisa
delicada, do coração. O bom ouvinte é aquele que, ao falar, abre espaços para
que as bolhas de sabão do outro voem livres. Bola vai, bola vem – cresce o
amor… Ninguém ganha para que os dois ganhem. E se deseja, então, que o outro
viva sempre, eternamente, para que o jogo nunca tenha fim…
Esta
crônica faz parte do livro:
O retorno eterno, de Rubem Alves.
O retorno eterno, de Rubem Alves.