“SEXTA CRÔNICA”
- “Quero
comprar uma árvore” -
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Walmir Ayala -
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(Flamboyant amarelo) |
Na
estrada florescem os flamboyants e eu
quero comprar uma árvore. Se hoje me faltassem todos os outros desejos, me
sobraria este, de comprar uma árvore. Com direito a pássaros e brisa da tarde,
mas, sobretudo uma árvore em flor, para prazer visual. Os desejos nos conservam
vivos, disse alguém, e passei a prestar atenção nisso. Enquanto desejava alguma
coisa, eu me reforçava, eu ia adiante, eu nem pensava na morte. Ultimamente,
ter uma árvore é o meu maior desejo. Como as árvores não são vendidas
isoladamente, eu imagino um terreno pequeno, uma casa modesta e uma árvore.
Bastaria para mim uma árvore de rua, dessas que pertencem à comunidade. Mas que
eu pudesse ver e acompanhar durante as estações, com cores e sombras as mais
variadas.
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(Amendoeira) |
Há muitos anos morei numa
rua com amendoeiras, uma delas batia na sacada do meu apartamento, espiando
minha vida. De manhã ela trazia uma festa de pássaros e eu acordava em paz,
despertado por aqueles ruídos que eram o pulsar da natureza. Durante anos
acompanhei a existência daquela árvore, e me maravilhava com as cores de suas
folhas. As folhas faziam de flor naquela árvore sem flores, porque iam do verde
ao vermelho, eram de repente douradas, ou de um amarelo tênue. Era sempre uma
surpresa, e eu gostava de ver a rua coberta do ouro daquelas folhas, em certas
fases do ano. Estou certo de que a minha vida ficou melhor com aquela
companhia, e acho que vem daí a origem deste desejo de ter uma árvore em flor,
como aqueles flamboyants da estrada.
Mas, enquanto eu não posso
ter uma árvore inteiramente minha, aprendo a curtir as árvores que passam por
mim, ou pelas quais eu passo. E até parece que são minhas todas essas árvores.
Com a força do meu coração, sinto que são minhas, porque outra coisa que
aprendi é a enriquecer o sentido de propriedade. Tudo o que vejo e amo é meu,
sem necessidade da posse, do desgaste que vem na base dos amores vorazes. Assim,
me distraio olhando nas vitrines todo aquele apaixonante supérfluo, e me delicio
em contemplar e assimilar o instante de sua presença, como uma oferta real.
Fico feliz, passo adiante, e muitas vezes digo de mim para mim: “Tal coisa
acaba de ser minha e eu nem preciso carregar”. É assim, acumular matéria das
coisas é um estorvo na viagem. O bom é andar com um mínimo e participar de
tudo, sem mágoa, sem sensação de pobreza, porque pobre é quem tem a alma
pequena.
Hoje eu queria comprar uma
árvore, mas como disse um velho indígena norte-americano, há mais de um século,
coisas como uma árvore não podem ser compradas, como não se pode comprar o ar,
as nuvens e as estrelas. Mas se pode amar tais verdades inalcançáveis, e nesse
amor reside o mais perene conceito de propriedade, aquela que ninguém nos tira
porque tem as raízes plantadas no coração.
Autor: Walmir
Ayala (1933 - 1991) - O autor considerava-se poeta, mas sua carreira não se
limitou à poesia e dedicou-se a outros gêneros culturais. Foi também
jornalista, romancista, escreveu contos, crônicas, peças de teatro para adultos
e crianças, público este que dedicou mais de noventa obras.