Uma reflexão sobre Maternidade
- Ana Luísa Bartholo
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E de repente o telefone toca e você vira mãe.
A gente já sabia que seria assim. Afinal, foram anos
frequentando reuniões de grupos de apoio à adoção, lendo, pesquisando,
conversando com quem já tinha adotado e com pessoas que trabalham com o
assunto. É assim mesmo: depois que você está habilitado a adotar uma criança e
entra na fila, só resta esperar. Um dia – que pode ser depois anos, como foi no
nosso caso – o telefone toca. E aí é a maior correria.
“Mas se ela esperou por anos, por que não conseguiu se
preparar, fazer o enxoval com calma? Por que tanta correria?”
No nosso caso, éramos indiferentes ao gênero da criança
e a idade podia variar entre zero e dois anos. Então, não dava para fazer o
enxoval nem saber que tamanho de fralda nosso (a) filho (a) ia usar. Ou mesmo
se precisaria de um berço ou uma cama e quais seriam os brinquedos adequados
para sua idade.
Bem, a correria que foi entre conhecermos a Gabriela e a
trazermos para casa três semanas depois era esperada. Sabíamos que seria tudo
muito intenso, rápido, sem tempo e com fortes emoções. Afinal, desde que fomos
conhecê-la no abrigo, nós a visitamos todos os dias até buscá-la
definitivamente. Durante mais de vinte dias, meu marido e eu saímos do trabalho
para o abrigo e do abrigo para casa. Nos finais de semana, ficávamos horas com
ela, e depois, saíamos para comprar os itens de primeira necessidade e buscar
os inúmeros presentes e doações que recebemos da nossa rede de amigos e
familiares. Um período intenso e cansativo, durante o qual contamos com todos
na torcida para que – finalmente – virássemos pais.
Quando a Gabriela chegou, depois de anos frequentando
grupos de apoio e trocando experiências, eu me considerava relativamente
preparada e ciente dos desafios da adoção. O que eu não esperava era descobrir
o quanto nossa sociedade equivocadamente confunde, muitas vezes sem perceber e
no piloto automático, maternidade com gestação.
Minha descoberta, na verdade, começou alguns meses antes
de o telefone tocar, quando minha chefe e eu, ao começar a planejar minha
licença maternidade, nos deparamos com a seguinte pergunta: ‘como conseguir
alguém para uma vaga temporária sem oferecer uma previsão de quando a pessoa
iria trabalhar?’
“Ah, é a mesma coisa que planejar o afastamento de uma
gestante que não tem data certa para sair e precisa ser substituída no
trabalho”. Só que não.
No caso da gestante, em geral existe uma previsão da sua
saída. Claro que emergências acontecem: pode ser que ela tenha que se afastar
de repente para ficar em repouso ou o bebê pode nascer antes do previsto. Ainda
assim é possível prever alguma janela de tempo em função das semanas
de gestação e do acompanhamento da sua saúde.
Mas veja como foi minha experiência de licença
maternidade por adoção. Eu sabia que a chance de meu marido e eu sermos
chamados em 2016 era grande, e por isso, logo após a virada do ano, ficou
decidido pela minha empresa contratar alguém por meio de uma agência de
recrutamento para cobrir algumas das minhas funções durante meu afastamento.
“Oi, tudo bem? Meu nome é Ana Luísa e sou diretora de
marketing. Preciso contratar uma pessoa para me substituir parcialmente durante
minha licença maternidade. Vocês podem me ajudar?”
“Sim, claro, Ana. Quando é sua previsão de saída?”
“Bem… Eu devo sair em uma data ainda não definida, quase
com 100% de certeza em 2016, e com grandes chances de ser entre março e
outubro”.
… (silêncio do outro lado da linha).
Essa conversa aconteceu mesmo. Pela primeira aquela
agência lidaria com o desafio de contratar uma pessoa sem previsão de data para
começar. Os tempos de crises ajudavam, afinal havia muita gente boa sem
trabalho e disposta a flexibilizar suas exigências, mas a empreitada não era
fácil. O resultado foi que a empresa precisou rever sua metodologia e criar um
novo processo de contratação para atender ao meu caso.
Voltando ao caso da gestante: é possível prever que ela
não poderá mais viajar de avião aproximadamente após o 6º mês de gravidez. Já
para mim, mesmo sabendo que seriam altas as chances de minha vez chegar em
2016, não era possível afirmar quando eu seria afastada, de modo que minhas
viagens profissionais de todo o primeiro semestre, inclusive internacionais,
foram programadas, tendo as passagens que ser canceladas mais tarde, sem que a
empresa pudesse ser reembolsada.
E não é só no âmbito profissional que os procedimentos e
informações são definidos no automático ‘maternidade = gestação’. Em muitos
casos, assume-se abertamente que a única maneira de se ter filhos é tendo
dado-os à luz, como pude perceber ao responder à seguinte pergunta de um
questionário para fazer uma ultrassonografia em um laboratório:
Tem filhos? (X )
Sim. Quantos?
1
( ) Não.
Lá fui eu, toda orgulhosa, pela primeira vez, marcando
‘sim’. Cena seguinte: a médica, antes de me examinar, pergunta: “Vi que você
tem um filho… Seu parto foi normal ou cesárea?”.
Sem perder o bom humor, respondi: “Doutora, minha filha
foi adotada. Acho que o questionário está mal formulado…”.
Isso sem falar na expressão de surpresa de muitas
pessoas quando descobrem que mães por adoção também têm direito à licença
maternidade: “Puxa, que bom, adoção também dá direito?!…”
OK, a extensão da licença à mãe adotante é relativamente
nova, de 2002, mas conceitualmente a licença é maternidade e não licença-gestação ou licença-parto.
Os pais por adoção precisam MUITO oferecer tempo e disponibilidade para que o
vínculo com seu filho, até então inexistente, seja formado. Aliás, independente
da idade, qualquer criança adotiva sofreu rupturas e pode ter um lapso
emocional que precisa ser cuidado. Não consigo imaginar como seria se eu não
pudesse passar esses primeiros meses em função da Gabriela, não apenas a
conhecendo e às suas necessidades, como também me descobrindo no novo papel.
Tenho certeza que o desenvolvimento incrivelmente acelerado que ela apresenta desde
que está conosco, há pouco mais de três meses, tem muito a ver com a segurança
que minha presença constante pôde proporcionar.
A boa notícia é que, com flexibilidade e tranquilidade,
mas sem deixar de colocar o cenário “desconhecido” para o outro, de maneira
geral as coisas se resolvem. Foi assim que tanto para a ficha do pediatra
quanto para a matrícula na escola, explicamos o caso e pedimos que Gabriela
fosse chamada pelo nome que tem desde que está conosco e que é diferente do da
sua documentação, até termos sua guarda definitiva, o que deve acontecer nos
próximos meses.
Sei que ainda está só começando e que ainda vou me
deparar com outros exemplos como esses, afinal eu sou mãe há pouco mais de três
meses. Mas achei importante levantar a discussão sobre adoção também ser uma
forma de maternidade.
Que bom que ela existe e que permite não apenas que
mulheres como eu possam realizar seu sonho de ser mães, como também proporciona
um futuro para crianças e adolescentes que não têm chance em suas famílias biológicas.
UBAV COMENTA:
Temos a grata satisfação de
possuir em nosso grupo de amigos, pessoas que exercem o sentimento de amor materno
através da adoção. O mundo necessita de mais iniciativas desse nível, pois está carente de amor.
Eu, mesmo, depois de
ter a minha vida resolvida, estar só e com netos, pensei seriamente em assumir
a doce responsabilidade de ser PAI, mais uma vez. Porém, não foi possível!
Ao ler essa
mensagem senti o dever solidário de compartilhá-la aqui no site e parabenizar as mães
adotivas por suas iniciativas. A adoção é o exemplo maior do desapego e da solidariedade, onde fazemos o bem sem olhar a quem.
Desejo sucesso para todas vocês mães adotivas ou biológicas. Observo que a maternidade é um dom incrível capaz de promover a evolução espiritual de quem a exerce plenamente. Maternidade não pode ser considerada somente um acontecimento final, fruto de uma noite de amor. Ela é o princípio de um novo amor: O amor de Mãe.
Desejo sucesso para todas vocês mães adotivas ou biológicas. Observo que a maternidade é um dom incrível capaz de promover a evolução espiritual de quem a exerce plenamente. Maternidade não pode ser considerada somente um acontecimento final, fruto de uma noite de amor. Ela é o princípio de um novo amor: O amor de Mãe.
Um Brinde À Vida!
Tim-Tim!
Neo Cirne
Colunista de UBAV-Brasil