Bom
dia amigos, “Mania Crônica” tem o prazer de apresentar mais uma crônica de Luis
Fernando Veríssimo, grande cronista brasileiro que nos orgulha imensamente
divulgar.
Seus artigos e crônicas, quase todos muito bem humorados, servem para
alegrar os nossos dias e nos apresentar situações que podem perfeitamente estar
inseridas no dia a dia de qualquer pessoa.
Aproveitem
este momento para descontraírem, lendo mais um texto do querido escritor gaúcho que tanto apreciamos:
Com vocês... METAMORFOSE.
Bom
dia!
Neo
Cirne
METAMORFOSE
Uma barata acordou um dia e viu que tinha se
transformado num ser humano. Começou a mexer suas patas
e viu que só tinha quatro, que eram grandes, pesadas e de articulação difícil.
Não tinha mais antenas. Quis emitir um som de surpresa e sem querer deu um
grunhido. As outras baratas fugiram aterrorizadas para trás do móvel. Ela quis
segui-las, mas não coube atrás do móvel. O seu segundo pensamento foi:
"Que horror... Preciso acabar com essas baratas..."
Pensar, para a ex-barata, era uma novidade. Antigamente ela seguia seu
instinto, agora precisava raciocinar. Fez uma espécie de manto com a cortina da
sala para cobrir sua nudez.
Saiu pela casa e encontrou um armário num quarto, e nele, roupa de baixo e um vestido. Olhou-se no espelho e achou-se bonita, para uma ex-barata. Maquiou-se. Todas as baratas são iguais, mas as mulheres precisam realçar sua personalidade. Adotou um nome: Vandirene. Mais tarde, descobriu que só um nome não bastava. A que classe ela pertencia?... Tinha educação?... Referências?... Conseguiu, a muito custo, um emprego como faxineira. Sua experiência de barata lhe dava acesso a sujeiras mal suspeitadas. Era uma boa faxineira.
Saiu pela casa e encontrou um armário num quarto, e nele, roupa de baixo e um vestido. Olhou-se no espelho e achou-se bonita, para uma ex-barata. Maquiou-se. Todas as baratas são iguais, mas as mulheres precisam realçar sua personalidade. Adotou um nome: Vandirene. Mais tarde, descobriu que só um nome não bastava. A que classe ela pertencia?... Tinha educação?... Referências?... Conseguiu, a muito custo, um emprego como faxineira. Sua experiência de barata lhe dava acesso a sujeiras mal suspeitadas. Era uma boa faxineira.
Difícil era ser gente... Precisava comprar comida e o dinheiro não chegava. As baratas se acasalam num roçar de antenas, mas os seres humanos não. Conhecem-se, namoram, brigam, fazem as pazes, resolvem se casar, hesitam. Será que o dinheiro vai dar? Conseguir casa, móveis, eletrodomésticos, roupa de cama, mesa e banho. Vandirene casou-se, teve filhos. Lutou muito, coitada. Filas no Instituto Nacional de Previdência Social. Pouco leite. O marido desempregado... Finalmente acertou na loteria. Quase quatro milhões! Entre as baratas, ter ou não ter quatro milhões não faz diferença. Mas Vandirene mudou. Empregou o dinheiro. Mudou de bairro. Comprou casa. Passou a vestir bem, a comer bem, a cuidar onde põe o pronome. Subiu de classe. Contratou babás e entrou na Pontifícia Universidade Católica.
Vandirene acordou um dia e viu que tinha se transformado em barata. Seu penúltimo
pensamento humano foi: "Meu Deus!... A casa foi dedetizada há dois
dias!...". Seu último pensamento humano foi para seu dinheiro rendendo na
financeira e que o safado do marido, seu herdeiro legal, o usaria. Depois
desceu pelo pé da cama e correu para trás de um móvel. Não pensava mais em
nada. Era puro instinto. Morreu cinco minutos depois, mas foram os cinco
minutos mais felizes de sua vida.
Kafka não significa nada para as baratas...
Luis Fernando Veríssimo
Luis Fernando Veríssimo é um escritor
brasileiro. Mais conhecido por suas crônicas e textos de humor, mais
precisamente de sátiras de costumes, publicados diariamente em vários jornais
brasileiros. (Wikipedia)
Tim-Tim!