A CULTURA TIM-TIM!
Apresentamos hoje uma crônica do
querido Fernando Sabino, foi escritor importante da literatura brasileira e foi
jornalista também. Certa feita fui num happy hours no Hotel Caesar Park em
Ipanema/Rio de Janeiro e para minha grande surpresa encontrei Fernando Sabino
tocando saxofone, a música era seu hobby. Ele fazia parte de um conjunto de
amigos que tocava no fim de tarde no charmoso restaurante.
Sabino era um homem interessante,
simpático, de uma biografia sensacional e muito intensa.
UBAV recomenda uma
releitura de sua biografia no site http://www.releituras.com/fsabino_bio.asp
Este homem de coração menino faleceu
no dia 11 de outubro de 2004, na cidade do rio de Janeiro. A seu pedido, está
escrito o seguinte em seu epitáfio: "Aqui jaz Fernando Sabino, que nasceu homem e morreu menino".
O REVÓLVER DO SENADOR
O Senador ainda estava na
cama, lendo calmamente os jornais, e eram dez horas da manhã. Súbito ouve a voz
do netinho de quatro anos de idade por detrás da folha aberta, bem junto de sua
cabeça:
– Vovô, eu vou te matar.
– Vovô, eu vou te matar.
Abaixou
o jornal e viu, aterrorizado, que o menino empunhava com as duas mãos o
revólver apanhado na gaveta da cabeceira. Sempre tivera a arma ali ao seu
alcance, para qualquer eventualidade, carregada e com uma bala na agulha. Nunca
essa eventualidade se dera na longa seqüência de riscos e tropeços que a
política lhe proporcionara. No entanto, ali estava, agora, apanhado de
surpresa, sob a mira de um revólver. O menino começou a rir de sua cara de
espanto.
– Eu vou te matar – repetiu, dedinho já no gatilho.
O
menor gesto precipitado e a arma dispararia.
Pensou em estender o braço e ao menos afastar o cano de sua testa, que já começava a porejar suor. Mas temeu o susto da criança, o dedo se contraindo no gatilho... Tentou falar e de seus lábios saíram apenas sons roufenhos e mal articulados.
Pensou em estender o braço e ao menos afastar o cano de sua testa, que já começava a porejar suor. Mas temeu o susto da criança, o dedo se contraindo no gatilho... Tentou falar e de seus lábios saíram apenas sons roufenhos e mal articulados.
– Não
me mata não – gaguejou, afinal: – você é tão bonzinho...
– Pum!
Pum! – e o demônio do menino sempre a rir, só fez dar um passo para trás; que o
colocou fora de seu alcance. Agora estava perdido.
–
Cuidado, tem bala... – deixou escapar, e a voz de novo lhe faltou. Toda uma
vida que terminava ali, estupidamente nas mãos de uma criança – de que
adiantara? Tudo aflição de espírito e esforço vão. Se alguém entrasse no
quarto de repente, a mãe, a avó do menino... Que é isso, menino! Você mata seu
avô! Com o susto... Senti o pijama já empapado de suor. Era preciso fazer
alguma coisa, terminar logo com aquela agonia. Estendeu mansamente o braço
trêmulo:
– Me
dá isso aqui...
– Mãos
ao alto! – berrou o menino, ameaçador, dando passo para trás, e as mãos
pequeninas se firmaram ainda mais no cabo da arma. O Senador não teve outra
coisa a fazer senão obedecer.
E
assim se compôs o quadro grotesco: o velho com os braços erguidos, o guri a
dominá-lo com o revólver. De repente, porém, o telefone tocou.
–
Atende aí – pediu o Senador, num sopro.
Estava
salvo: o menino tomou do fone, descobrindo brinquedo novo, e abaixou o
revólver. O Senador aproveitou a trégua para apoderar-se da arma.
Então pôs-se
a tremer, descontrolado, enquanto retirava as balas com os dedos aflitos. O
menino começou a chorar:
– Me dá! Me dá!
– Me dá! Me dá!
A
mulher do senador vinha entrando:
–O que
foi que você fez com ele? Está com uma cara esquisita... Que aconteceu?