LIRA
POÉTICA DE VERÃO
Por Neo Cirne
Meus amigos queridos, bom dia. Eu não
posso ficar muito tempo longe de vocês. Um misto de saudade e bem querer sempre
invade o meu coração. Como costumo fazer, depois de que me levanto da cama,
faço minha oração e procuro ler um texto qualquer que seja leve, pois acredito
que a vida seja um processo de semeadura onde colhemos os nossos melhores
pensamentos. Hoje eu selecionei um trecho do Rubem Braga, escritor
brasileiro, capixaba, nascido em Cachoeiro de Itapemirim em 12 de Janeiro de
1913 e falecido em 19 de Dezembro de 1990.
Rubem Braga nos deixou inúmeras obras e
este texto retrata bem o significado de uma despedida, de um Adeus. Em sua
homenagem postamos a foto da montanha “O Frade e A Freira”, símbolo da Cidade
de Cachoeiro de Itapemirim.
![]() |
RUBEM BRAGA |
“E no meio dessa
confusão alguém partiu sem se despedir; foi triste. Se houvesse uma despedida
talvez fosse mais triste, talvez tenha sido melhor assim, uma separação como às
vezes acontece em um baile de carnaval — uma pessoa se perde da outra,
procura-a por um instante e depois adere a qualquer cordão. É melhor pensar que
a última vez que se encontraram se curtiram muito — depois apenas aconteceu que
não se encontraram mais. Eles não se despediram, a vida é que os despediu, cada
um para seu lado — sem glória nem humilhação.
Creio que será permitido guardar uma leve tristeza, e também uma lembrança boa; que não será proibido confessar que às vezes se tem saudades; nem será odioso dizer que a separação ao mesmo tempo nos traz um inexplicável sentimento de alívio, e de sossego; e um indefinível remorso; e um recôndito despeito.
E que houve momentos perfeitos que passaram, mas não se perderam, porque ficaram em nossa vida; que a lembrança deles nos faz sentir maior a nossa solidão; mas que essa solidão ficou menos infeliz: que importa que uma estrela já esteja morta se ela ainda brilha no fundo de nossa noite e de nosso confuso sonho?
Talvez não mereçamos imaginar que haverá outros verões; se eles vierem, nós os receberemos obedientes como as cigarras e as paineiras — com flores e cantos. O inverno — te lembras — nos maltratou; não havia flores, não havia mar, e fomos sacudidos de um lado para outro como dois bonecos na mão de um titeriteiro inábil.
Ah, talvez valesse a pena dizer que houve um telefonema que não pôde haver; entretanto, é possível que não adiantasse nada. Para que explicações? Esqueçamos as pequenas coisas mortificantes; o silêncio torna tudo menos penoso; lembremos apenas as coisas douradas e digamos apenas a pequena palavra: adeus.
A pequena palavra que se alonga como um canto de cigarra perdido numa tarde de domingo."
Creio que será permitido guardar uma leve tristeza, e também uma lembrança boa; que não será proibido confessar que às vezes se tem saudades; nem será odioso dizer que a separação ao mesmo tempo nos traz um inexplicável sentimento de alívio, e de sossego; e um indefinível remorso; e um recôndito despeito.
E que houve momentos perfeitos que passaram, mas não se perderam, porque ficaram em nossa vida; que a lembrança deles nos faz sentir maior a nossa solidão; mas que essa solidão ficou menos infeliz: que importa que uma estrela já esteja morta se ela ainda brilha no fundo de nossa noite e de nosso confuso sonho?
Talvez não mereçamos imaginar que haverá outros verões; se eles vierem, nós os receberemos obedientes como as cigarras e as paineiras — com flores e cantos. O inverno — te lembras — nos maltratou; não havia flores, não havia mar, e fomos sacudidos de um lado para outro como dois bonecos na mão de um titeriteiro inábil.
Ah, talvez valesse a pena dizer que houve um telefonema que não pôde haver; entretanto, é possível que não adiantasse nada. Para que explicações? Esqueçamos as pequenas coisas mortificantes; o silêncio torna tudo menos penoso; lembremos apenas as coisas douradas e digamos apenas a pequena palavra: adeus.
A pequena palavra que se alonga como um canto de cigarra perdido numa tarde de domingo."
Rubem Braga
Extraído do livro "A
Traição das Elegantes", Editora Sabiá – Rio de Janeiro, 1967, pág. 83.
A nossa Lira Poética será apresentada nas estações do ano, começamos com o Verão, a próxima será em Abril, lindo mês do Outono. Convidamos você, que gosta de poesia e de literatura, a nos ajudar a fazer esta página, que julgo ser de suma importância para a nossa cultura.
Dependendo do número de colaboradores poderemos transformá-la numa edição mensal, como era inicialmente. Muito obrigado!
Continuamos em férias, mas pensando novas seções para o site. Informamos que três premiações serão despachadas no início de Fevereiro, tão logo eu retorne às atividades normais.
Tim-Tim!
![]() |
Neo Cirne e a sua namorada baiana
ela mora na Praia do Forte - Bahia
|